Debruçando-se sobre as catorze fotografias feitas no decorrer daquele ano, Ernaux afirma que registrar tais vestígios de amor era como ter uma prova de que ainda estava viva. E diante da possibilidade da morte, ela passa a buscar uma forma literária que abarque toda sua biografia, a qual culminará em Os anos, sua obra magna escrita imediatamente depois deste O uso da foto. Diferente das descrições fotográficas dos outros livros da autora, feitas sobre retratos, aqui Annie e Marc partem da ausência. Porque, ainda que a inexistência de corpos remeta ao fim ocasionado pelo câncer, ela também potencializa o erotismo, sobretudo o daquele corpo que se transforma.
Nessa espécie de diário do abandono ao prazer, cheio de intenção artística e reflexões originais sobre a fotografia, conhecemos uma fase decisiva da vida da vencedora do prêmio Nobel de literatura de 2022 e novas facetas do modo com que ela constrói seu projeto de escrita. "Não espero a vida me trazer temas, e sim organizações desconhecidas de escrita", afirma Ernaux. Assim, em meio a meias-calças, sapatos, roupas íntimas e lençóis embolados, nos fascinamos com uma literatura capaz de apreender com agudez momentos tão fugidios.
Annie Ernaux nasceu em 1940, em Lillebonne, na França. Estudou na Universidade de Rouen e foi professora do Centre National d'Enseignement par Correspondance por mais de trinta anos. Seus livros são considerados clássicos modernos na França. Em 2022, Ernaux recebeu o prêmio Nobel de literatura pelo conjunto de sua obra.
Marc Marie (1962-2022) foi um fotógrafo e jornalista francês. Depois de estudar literatura moderna, dividiu seu tempo entre a escrita e o jornalismo freelance.