Nunca me senti personagem da minha vida. Sempre me percebi mais como uma nota de rodapé — uma dessas que poucos leem, mas que, sem elas, o texto principal não se sustenta. Escrevo não para ser compreendido, mas para me escutar. Porque há dias em que nem a minha respiração parece vir de mim. Há dias em que o mundo me atravessa como se eu fosse apenas um vão entre os acontecimentos. Não há história aqui, apenas ecos. Fragmentos de uma vida pensada demais e vivida entre parênteses. Helena foi um grito. Sofia, uma pausa longa. Entre uma e outra, fui ficando. Fui sendo. Fui me desfazendo como os livros sublinhados que deixamos de reler. Não quero convencer ninguém de nada. Nem mesmo a mim. Quero apenas deixar aqui, com algum pudor e muito desassossego, aquilo que não coube nas conversas, nos abraços, nos silêncios partilhados. Este não é um diário. É um espelho em cacos. Cada texto, um reflexo torto de um rosto que já não sei se é o meu. Se abrir essas páginas, abra devagar. Como se abrisse uma carta de alguém que não vê há muito tempo. Como se pudesse ouvir o som das entrelinhas. Como quem pisa em um campo minado de lembranças. E, ainda assim, segue. — Miguel