O poeta, dramaturgo e prosador Almeida Garrett não viveu, apenas, as viagens aqui narradas, mas criou-as como uma afirmação artística de seu idealismo e de sua imaginação. A viagem despretensiosa e curta pela região do Vale de Santarém transforma-se no desvendamento de um ideário romântico e liberal, que inquieta o espírito e impregna a palavra de Garrett. Este é um relato singular, escrito em simultaneidade com as visões da paisagem, no fluir do tempo da jornada e na incorporação da fantasia amorosa. Viver a experiência e narrá-la são a mesma viagem, o mesmo ato. É o espírito romântico em busca da transcendência do indivíduo sobre as questões materiais. Entretanto, é preciso ver aqui não somente a fantasia, mas a intencionalidade e a clara afirmação de propósitos. A viagem tem início no Tejo, depois segue pelo interior, até Santarém. No primeiro momento do percurso, as divagações não se dão apenas na descrição livre da paisagem camponesa, mas também em considerações sobretudo de natureza filosófica, histórica e literária, em que a ironia e o sarcasmo não poupam sequer a literatura de aristocratas como Sterne e Xavier de Maistre. No entanto, quando o grupo alcança o Vale de Santarém, subitamente tudo se transforma. Do detalhe de uma janela aberta, desenvolve-se a história de amor de Carlos e Joaninha, fantasia que revela a impossibilidade de conciliação da pureza com o espírito turbulento do aventureiro da guerra e do amor. Ao fundo, miguelistas e cartistas (ou seja, monarquistas e liberais) dividem o país com uma luta na qual o próprio Garrett esteve empenhado pela causa liberal. Viagens na minha terra nunca recebeu sua versão definitiva. Por essa razão permanecerá sempre como uma obra que seguiu o desejo de seu criador de ser fiel e autêntico em relação ao ideal de viver intensamente os princípios liberais e românticos de não submissão à autoridade do Estado e da ordem. Sua única obediência está ligada às determinações íntimas da alma e do coração.