Algumas almas não pertencem inteiramente ao mundo. Elas transitam entre tempos, entre dimensões invisíveis, entre o concreto e o etéreo, carregando em si a marca de algo raro, quase mítico. Mateus Nachtergaele é uma dessas almas. Não se limita ao teatro ou ao cinema, não cabe nos rótulos de ator, diretor ou dramaturgo. Ele é um fenômeno de sensibilidade, um artista que não interpreta apenas personagens, mas sim a própria essência da vida e da memória. Este livro não é uma biografia. Não se prende à linearidade dos fatos ou à listagem de seus papéis mais famosos. É, antes, um mergulho na substância poética e metafísica de Mateus Nachtergaele, uma exploração da grandeza de um homem que fez da arte sua morada e do passado um espelho para entender o presente. O Peso da Ausência e a Construção da Arte Mateus Nachtergaele perdeu a mãe cedo demais. Uma tragédia que só lhe foi revelada aos dezesseis anos. Antes disso, sua infância esteve repleta de mistérios e silêncios, um território de lacunas e sombras onde a figura materna era uma presença ausente. Mas a revelação da perda não foi apenas um golpe – foi também um chamado. Mateus foi atrás de sua mãe, não no sentido físico, mas espiritual. Descobriu seus escritos, seus poemas, os traços de sua alma deixados no papel. E nessa busca encontrou muito mais do que respostas: encontrou um vínculo, uma linha invisível que o ligava a ela através da poesia. Essa busca tornou-se uma necessidade vital. Mateus Nachtergaele decidiu transformar essa dor em algo sublime. Criou um espetáculo em homenagem à mãe, trouxe para o palco a memória e os versos que ela deixou, dando-lhe voz, corpo e vida novamente. Esse gesto diz muito sobre quem ele é: um homem que não teme enfrentar os próprios abismos, que compreende a arte como um espaço de redenção, um território onde é possível resgatar o que o tempo tentou apagar. Como não lembrar de Antonin Artaud e sua visão do teatro como um ritual? Para Artaud, a arte deveria tocar as fibras mais profundas do ser humano, provocar, transformar. Mateus Nachtergaele, com sua entrega visceral e sua conexão com o sagrado e o profano, parece seguir essa mesma linha. Ele não atua – ele encarna, ele vive, ele sangra em cena. A Origem como Destino A história de Mateus Nachtergaele nos ensina sobre a força da origem, sobre o peso daquilo que nos antecede. Como Rainer Maria Rilke disse certa vez, a única pátria verdadeira do homem é a infância. Mateus Nachtergaele carrega sua infância como uma âncora e um motor, um espaço ao qual sempre retorna para compreender sua arte e sua existência. Sua mãe, mesmo na ausência, moldou seu caminho. Sua sensibilidade, seu olhar sobre o mundo, sua forma de transitar entre o cômico e o trágico, entre a farsa e a poesia, tudo parece enraizado nessa ausência que ele ressignificou. Artistas assim são raros. Como Van Gogh, que transformava sua dor em pinceladas que ardiam como fogo sobre a tela. Como Fernando Pessoa, que desdobrava a própria alma em heterônimos para compreender-se melhor. Como Clarice Lispector, que escrevia como quem tentava decifrar um mistério que nunca se revela por completo. Mateus Nachtergaele pertence a essa linhagem. Ele não se contenta com a superfície, não se limita a dizer palavras decoradas ou a repetir gestos ensaiados. Seu teatro é ritual, sua atuação é um mergulho no insondável. Um Artista Generoso Mas há algo mais. Algo que transcende seu talento extraordinário. Mateus Nachtergaele é um homem generoso. Diferente de tantos que, ao alcançar o topo, se fecham em si mesmos, ele estende a mão. Dialoga com o público, dá espaço aos pequenos, reconhece a arte onde quer que ela esteja. Foi através de críticas que escrevi sobre O Auto da Compadecida 2 que nossos caminhos se cruzaram. O impacto desses textos foi surpreendente. As pessoas começaram a acompanhar, a compartilhar, a comentar. Até que Mateus Nachtergaele, o próprio, viu, interagiu, repostou, me deu um oi pelo Instagram. E a partir dali, começou um diálogo. Um artista que está no topo, mas que olha para os que estão ao redor, que respeita a opinião de críticos independentes, que entende a arte como um movimento coletivo, não como um pedestal solitário. E foi nesse contexto que surgiu a ideia deste livro. Porque Mateus Nachtergaele merece mais do que simples elogios. Ele merece um estudo, uma homenagem, uma reflexão sobre sua grandiosidade e seu legado. A Construção de um Legado Este livro não tem a pretensão de esgotar o que é Mateus Nachtergaele. Isso seria impossível. Ele é um mistério em constante reinvenção, um artista que não se deixa aprisionar por definições. O que faço aqui é uma leitura poética e metafísica de sua trajetória e de seu espírito criador. Assim como ele buscou nos poemas de sua mãe a essência de sua origem, este livro busca, em sua arte e em sua humanidade, os traços que fazem dele uma figura única. Mateus Nachtergaele não é apenas um ator brilhante, é uma força que nos ensina sobre memória, sobre entrega e sobre o poder da arte em nos conectar com o que há de mais profundo em nós. Que esta obra seja, então, um espelho para aqueles que, como ele, acreditam que a arte pode ser muito mais do que um espetáculo – pode ser uma busca, um ritual, um ato de amor e de redenção.